quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Periferia.com

Por: João Daniel Donadeli
As lan houses invadem as regiões pobres e periféricas da metrópole e mudam o cotidiano de seus moradores; comerciantes locais, levados pelo vácuo digital, sem ao menos ter tido algum contato com o computador, se aventuram na empreitada de uma lan house; a periferia das cidades, com todas as suas carências, absorve vorazmente esse novo meio de “entretenimento” como se fosse o único, o que, de certa maneira, é.
Eis o cenário que queria retratar em Periferia.com, projeto selecionado pela quarta edição do DOCTV, programa federal de estímulo à produção de documentários.
E a ideia para o que se tornaria o documentário Periferia.com surgiu assim: depois de mais de quinze anos morando na periferia e, como a maioria, trabalhando em outras regiões, observava que as lan houses, inicialmente exclusivas das regiões mais ricas, começavam a pipocar na periferia paulistana.
Escolhi um parceiro, para revelarmos juntos esse processo: Alexandre Rampazzo, documentarista que conhecera na faculdade, depois de ter escrito um comentário sobre filme de sua autoria que retratava o trabalho escravo.
Desde o início da produção, nosso propósito era o de revelar as mudanças cotidianas das crianças da periferia, que sempre improvisaram momentos de diversão com pipas, carrinhos de rolimã, partidas de futebol no campinho. Percebíamos que essas brincadeiras mais tradicionais cediam espaço aos atrativos dos computadores das lan houses.
Porém, foi só em campo que as coisas tomaram forma. Descobrimos que as mudanças seguiam a ordem natural da própria era digital, e aquelas brincadeiras “analógicas” que ficavam para trás apenas acompanhavam um processo de renovação.
Decerto não podíamos esperar que, em pleno século XXI, a molecada, mesmo pobre e periférica, se mantivesse contraditoriamente “alienada” aos novos tempos.
Em campo, também percebemos que as lan houses que motivaram o Periferia.com eram apenas a ponta do iceberg digital e que outras já estavam lá, no gueto dos guetos, havia muito mais tempo.
O critério de escolha dos personagens privilegiou gente de fato envolvida no processo de inclusão tecnológica da periferia e não apenas especialistas acadêmicos, opinando, muitas vezes, sobre um processo totalmente alheio e desconhecido.
Por isso, proprietários de lan houses, líderes comunitários, crianças da quebrada e coordenadores de ONGs de inclusão digital são a voz fundamental do documentário, as fontes principais. E todos, incluindo os especialistas ouvidos, não são identificados no filme por sua posição social, ou cargo. Periferia.com quis colocar todos em um único patamar conceitual.
As animações em Blender 3D são parte do que se pretendia revelar da mudança: a imagem animada ficcionalmente sobre um processo real em transformação, com base nas novas tecnologias.
Quando se busca retratar a realidade da maneira como se apresenta, a maior dificuldade que o documentarista encontra é fazer com que essa realidade se encaixe em seu projeto, e é claro que ela se nega a ser conduzida.
Então coisas acontecem sem que se possa prever. Foi o que aconteceu com a maioria dos nossos personagens, que assumiam a direção das entrevistas e entrevistavam pessoas que não estavam na pauta, como o diretor da escola que conversa com a classe e o radialista que entrevista os rappers. A grande sacada de Periferia.com, na minha modesta opinião, é exatamente essa: dar voz à periferia e deixar que ela fale por si.
Em síntese, Periferia.com revela essa gente marginalizada e isolada pela segregação econômica e social, que encontra nas lan houses não só uma forma de entretenimento, mas também uma maneira de se mostrar para o mundo e também de ver o mundo. É um modo de participar desse processo global e hegemônico como pode, com os meios que lhe são disponíveis.
Periferia.com (Brasil, 52 min.)
Autor: João Daniel Donadeli
Diretores: João Daniel Donadeli e Alexandre Rampazzo
Publicado originalmente no site Jornalirismo

2 comentários:

  1. Olá!
    Adorei a idéia do documentário. Parabéns! Quero assistir! Como faço? Encontro na locadora? Ainda tá no cinema?
    Grata
    Rose

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  2. Jornal da Câmara/ Ed.Ciência e Tecnologia
    11/9/2009
    Otavio Leite propõe formalização das lan houses para ampliar acesso à internet

    Em audiência realizada ontem pela Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática para discutir o funcionamento das lan houses no Brasil, o deputado Otavio Leite (PSDB-RJ) sugeriu que os estabelecimentos sejam formalizados e organizados para permitir a milhões de brasileiros o acesso à internet. “Por exemplo, por que não usar essas lan houses, em parceria com as escolas públicas, como ponto de apoio à pesquisa?”, indagou.

    Na avaliação de Otavio Leite, que propôs a audiência juntamente com Eduardo Gomes (PSDB-TO), o Parlamento brasileiro não pode fechar os olhos a uma realidade indiscutível, que é a presença de milhares de lan houses em todas as cidades do País, a maioria delas trabalhando na informalidade.

    Segundo o Comitê Gestor de Internet no Brasil, as lan houses respondem por cerca de 49% dos acessos à internet no País.

    Críticas - No debate, o presidente da Associação Brasileira dos Centros de Inclusão Digital (ABCID), Mário Brandão, fez duras críticas à política governamental de incentivo ao acesso individual das pessoas à internet. “Dos 12 milhões de computadores vendidos no ano passado, apenas 470 mil foram parar nas lan houses, que têm o poder de inclusão muito maior. O país não está preparando uma matriz eficiente e democrática de acesso”, criticou.

    Brandão apontou o custo elevado provocado por esse “erro estratégico” de não incentivar as lans houses. Ele acredita que a lan house é a melhor forma de promover a inclusão social e digital dos pobres. “Lan house é de pobre para pobre”, define ele.

    Serviços públicos - Segundo o pesquisador da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) do Rio de Janeiro Luiz Fernando Mancau, as lans ajudam a suprir a carência de acesso à cultura e prestação de serviços públicos para a população que vive em comunidades populares ou distante dos grandes centros. “A pessoa pode comprar livros em sites virtuais ou acessar serviços, como regularização de CPF e declaração de imposto de renda”, disse, informando que entre as 150 lans houses existentes no Complexo da Maré (RJ), muitas oferecem serviços desse tipo. A maior parte desses estabelecimentos atualmente opera em áreas carentes.

    A incompreensão do fenômeno, como a polêmica criação de cadastro dos usuários e a cobrança de ISS e taxa de licenciamento, foi destacada como agravante para a existência de grande informalidade no setor pelo representante da Associação Brasileira dos Centros de Inclusão Digital, Rafael Maurício da Costa. “Se tivessemos leis que tratassem as lans houses a partir de seu potencial inclusivo, não teríamos 83% na ilegalidade”, criticou.

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